domingo, fevereiro 17

TEXTO PUBLICADO NO JORNAL DIARIO DE NOTICIAS

SÁBADO 16 FEVEREIRO 2008

DESCOBRIR CRISTO EM VERSÃO AMERICANA


HELENA TECEDEIRO (texto) RODRIGO CABRITA (fotos)

Celebração reúne jovens, idosos, brancos e negros

As instalações da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias passam quase despercebidas a quem passa pela Avenida da República em Oeiras. Só a torre denuncia a presença do grande edifício branco escondido por trás do muro. É numa das suas inúmeras salas que os fiéis - conhecidos vulgarmente como mórmones - se reúnem ao domingo. Os bancos vermelhos contrastam com as paredes nuas. Nem altar, nem crucifixos, nem imagens dos profetas. Só as vozes a dar vida a um cântico acompanhadas ao piano por um missionário americano.

"O domingo é um dia diferente. Tentamos não fazer compras, não ir ao cinema", explica Afonso Alcântara Martins. O presidente da estaca de Oeiras, uma das seis unidades administrativas da Igreja em Portugal, é uma das pessoas que presidem à celebração conduzida pelo bispo António Costa. Com cinco filhos e sete netos, Alcântara Martins garante que o primeiro dia da semana é "para a família". Mas admite: "Não vou proibir os meus filhos de ver televisão. Eles chegarão a essa conclusão, se chegarem."

Para os mórmones, "a Igreja começa em casa", garante Alcântara Martins. A Noite Familiar é a oportunidade para, semanalmente, pais e filhos partilharem experiências.

Mas a prática caseira não dispensa os fiéis de participar nas celebrações comunitárias. Na capela de Oeiras, os discursos centram-se no legado do recém-falecido presidente da Igreja, Gordon Hinckley. A assistência é uma mistura de idades, nacionalidades e raças. Casais com filhos pequenos, idosos, jovens, portugueses, americanos, brasileiros, brancos, negros. Distribuído o pão e a água - os mórmones não bebem álcool -, duas jovens fiéis falam da sua experiência.

Nas várias intervenções, não faltam referências ao dízimo. Os mórmones doam mensalmente um décimo dos rendimentos à Igreja. Dever que Alcântara Martins garante ter excepções: "Se não puder pagar num mês, não pago."

O dízimo é apenas um dos aspectos controversos da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. A castidade até ao casamento ou a proibição de fumar, de beber álcool e café são outras. Pouco conhecida em Portugal, a Igreja Mórmon é muitas vezes alvo de mal-entendidos. O mais recorrente é o que os acusa de serem polígamos. "Praticámos a poligamia em tempos para ajudar as mulheres e nunca para prazer do homem. Somos monogâmicos há mais de um século", explica Henrique Machado Jorge. Nascido numa família católica, como a maioria dos portugueses, o director de relações públicas da estaca de Oeiras converteu-se ao mormonismo em 1995. "E desde então só tenho confirmado a minha fé."

Fundada nos EUA em 1820, a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias chegou ao nosso país em 1974, quando a Revolução de 25 de Abril abriu as fronteiras aos missionários. Hoje, há 38 mil mórmones em Portugal, divididos por seis estacas e 77 congregações. Henrique Machado Jorge admite que as pessoas têm dificuldades em perceber quem são. "As confusões surgem sobretudo nos media", lamenta. Mas este médico que voltou à religião com 50 anos admite: "Por vezes, não vale a pena explicar."

Uma das formas de a Igreja Mórmon se abrir à comunidade tem sido através do seu trabalho na área da genealogia. Donos da maior biblioteca genealógica do mundo, os mórmones acreditam que o espírito é eterno e os mortos podem ser salvos através do baptismo. Por isso fazem o levantamento de todos os registos familiares. "Em Portugal, microfilmámos todos os registos e oferecêmo-los ao Estado", diz Afonso Alcântara Martins. Qualquer pessoa que queira conhecer os antepassados pode fazê-lo nas instalações da Igreja Mórmon.

Fundada por Joseph Smith, que aos 14 anos terá sido "escolhido por Deus" para restaurar a verdadeira Igreja de Cristo na Terra, a Igreja Mórmon foi ganhando membros no mundo graças ao trabalho missionário. Com as camisas brancas e crachás com o nome, os elders ("anciãos" em inglês) trabalham dois a dois, batem às portas e abordam as pessoas para espalhar a sua mensagem.

O elder Luciano vive essa experiência há um ano (o período de missionação é de dois). "É um trabalho difícil que nos obriga a sair da nossa zona de conforto", admite. Filho de um brasileiro e de uma portuguesa de Condeixa-a-Nova, este jovem de 21 anos nasceu no Brasil, mas vive há dez anos na cidade natal da mãe, "na casa ao lado daquela onde ela nasceu". Mas o sotaque, esse, é americano. "Já tive muitos parceiros vindos dos EUA."

O elder Luciano está a cumprir a sua missão no país onde vive, mas muitos jovens mórmones são enviados para longe de casa. Em Oeiras, são vários os americanos que participam na celebração dominical, como, por exemplo, o elder Michaelson.

Desde que começou a missão, o elder Luciano já esteve em Beja, Seixal, Santarém e, agora, Faro. Apesar das dificuldades - sobretudo no Seixal - garante: "Aprendemos muito a falar com as pessoas. E sabemos que lhes estamos a levar a vida eterna."

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